SILVA, Rodrigo. O ceticismo da fé: Deus: uma dúvida, uma certeza, uma distorção. 1° edição. São Paulo: Editora Ágape, 2018.
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O livro é composto por
592 páginas, divididas em 38 capítulos e uma conclusão. O autor dispensa
apresentações, Rodrigo Silva é um intelectual de peso, teólogo e arqueólogo,
conhecido principalmente pela apresentação do programa Evidências na
rede Novo Tempo. Enfim, não é um pseudointelectual que pode ser ignorado, longe
disso, é umas das vozes mais importantes contemporaneamente na defesa da fé.
Quero começar pelo
final. Terminei a leitura e não sei dizer o que foi melhor, se o livro ou as
citações que me levaram a outros autores e livros, confesso que não resisti e
comprei muitos livros que não conhecia, só de Camus, foi quase a coleção toda.
Ainda tenho uma lista de livros e artigos escrita nas páginas finais. A leitura
foi uma das experiências mais enriquecedores dos últimos meses. Dito isso,
vamos ao livro.
A introdução nos ganha
pela simplicidade, de modo muito honesto, o autor nos convida a conhecermos
suas razões, bem como deixa claro que não possui preconceitos com relação à
leitura, ele lê de tudo, cita muita gente e é capaz de defender seus pontos de vista
de forma racional e respeitosa, diferente de muitos que se dizem intelectuais,
porém usam argumentos furados misturados com arrogância e deboche, “se Deus
existe não precisa de defensores (...) se não existe não tem como nem por que
ser condenado”. (SILVA, 2018). Deste modo, nada nos impede de termos uma
conversa amistosa sobre nossas razões.
O autor fala sobre o
perigo das cosmovisões que disputam nossas crenças interiores, a partir delas
organizamos o mundo ao nosso redor, um dos exemplos citados é o fato de que na
universidade de Freiburg existia uma cátedra chamada “Introdução à doutrina
racial” antes mesmo da ascensão do nazismo (p.56), assim podemos perceber que
aquilo que defendemos e acreditamos ser o certo tem importância, por que você
acha que os países ocidentais possuem os direitos feministas? Defesa das
minorias? Ter uma cosmovisão é uma condição para estar no mundo, você pode
escolher qual delas vai definir sua vida, mas não pode viver sem nenhuma
(p.63).
Do capítulo 4 ao 6, o
autor desfaz alguns mitos, através de pesquisas, ele consegue mostrar como a
educação formal tem falhado na sua missão de criar seres críticos, o que temos
atualmente são pessoas com muitas informações, pouca capacidade de
argumentação, fanáticas pela certeza de que não existe certo e errado.
Nos capítulos 7 e 8,
Silva (2018) aponta a importância de se duvidar racionalmente, de entendermos
que a fé não é cega, ela nasce de evidências, bem como, algumas verdades
físicas, não conseguimos vê-las nem as repetir em laboratório, mas temos
confiança de que são verdadeiras pelas evidências apresentadas (p.96-97). Nos
capítulos 9 a 11, temos uma apresentação das origens e desenvolvimento do
ateísmo.
Nos capítulos
seguintes, Rodrigo Silva (2018) chama nossa atenção para a importância de
mantermos a coerência entre ações e fé professada, pois foram os desvios, a
demonstração de um cristianismo sem Cristo, que resultaram em perseguição
interna e mortes. O autor também desfaz a falácia de que a religião matou mais
que qualquer regime, regimes comunistas mataram mais que qualquer religião já
vista no mundo (p.165-166).
Nos capítulos 14 a 18,
o autor advoga que a crença em Deus nasce com a própria existência humana, a
partir dos estudos culturais pode-se ver que toda civilização possui religião e
a ideia de Deus ou de deuses. A transcendência para ele é algo tão natural
quanto as necessidades físicas de nosso corpo, pois é tudo aquilo que não pode
ser explicado de forma meramente formal ou matemática, como exemplo, a
necessidade que temos de significado, o fato de nos apaixonarmos por uma pessoa
em específico e o medo da morte, são questões que transcendem explicações.
Dentro desse quadro a
ciência não pode ser vista como única representação do que existe (capítulo 18),
pois há coisas que transcendem explicações físicas e para as quais não há
consenso como se o tempo existe ou não, se há matéria ou não, etc. O autor
reconhece que para os neoateus o significado dispensa a ideia de Deus, porém as
implicações disso levam ao artificialismo de todos os signos (capítulo 19), se
o universo não tem sentido, por que nossas escolhas éticas e morais deveriam
ter? Se tudo é circunstancial, por que buscamos mudanças em nome de um
bem-comum se nem temos condições de saber o que é o bem já que tudo veio do
acaso e não possui razão em si mesmo?
O capítulo 21 é um dos
mais longos e mais importantes, é nele que se explica a diferença entre ser e
existir em que “ser” implica em principio ativo, atemporal, a coisa em sua
essência (...) e “existir” são características históricas atualizadas pelo
tempo e espaço (p.247-248). O escritor fala da teoria da existência, “(...)
quer Deus exista ou não, nada pode haver além dos limites da existência, e a
realidade da existência anula o princípio de um nada absoluto (SILVA, 2018, p.
262). Lançando fogo na falácia do “tudo que veio do nada”, o autor afirma que o
tempo por si só não cria, pergunta sobre o por que de existir algo em vez de
continuar apenas o nada e por que o nada absoluto já não existe.
O capítulo 22 é uma
pausa necessária para a densidade do capítulo 23, nele, o leitor é levado a
raciocinar sobre o que significa poder ser “provada” ou não a existência de qualquer
coisa. De forma mais clara, o autor cita Karl Popper (o método científico) e
Bertrand Russel para esclarecer que muitas realidades fogem de provas
científicas, pois não podem ser controladas e muito menos repetidas, também é
próprio da ciência mudar métodos e “verdades” através da experimentação, ainda
que muitos estudiosos, ditos doutores não aceitem essas verdades instáveis, e
muitas vezes, indemonstráveis como é o caso de afirmações geométricas. Se o
Deus da Bíblia existe, ele jamais poderia ser provado dentro do espaço que
conhecemos, cabe a nossa “razão enunciar a lógica axiomática de sua existência”
(idem, p. 291). Aprofundando o tema,
indico o livro Conhecimento de Deus, de Alvin Plantinga (tem resenha
dele aqui).
No capítulo 24, Por
que existimos?, Silva (2018) mostra como as mais comentadas teorias da
existência do universo retomam as mitologias predominantes antes da difusão do
monoteísmo judaico que originou o Cristianismo. Para as antigas cosmogonias, o
universo se autofecunda, produz os deuses e se mostra eterno. Para o monoteísmo,
o universo teve um começo, todas as coisas foram criadas em um tempo e espaço
apropriado.
Valores morais existem?
Nesse capítulo, o escritor
mostra a diferença entre valores circunstanciais e valores absolutos, se não há
Deus, restam apenas valores circunstanciais que podem ser mudados e nada há que
se possa dizer sobre certo e errado, bem ou mal, não há parâmetros absolutos,
não há verdade, não há erro, todo tipo de ação poderia ser justificada. Nos
capítulos seguintes, 26 ao 30, temos uma longa exposição sobre o modo como Deus
pode se revelar na história humana através do transcendental e do vazio
existencial que nunca abandonou a trajetória humana, não importa a época, não
importa a cultura, se há humanos, há a necessidade de transcendência.
No capítulo 31, um dos
mais longos e importantes para a temática tratada no texto, o escritor mostra
as evidências da existência de Jesus, um Jesus histórico, biografado não só nos
evangelhos, mas citado largamente em outros textos da época, inclusive textos
romanos. Alguém pode negar a divindade de Jesus, dizer que não acredita em
milagres, porém negar a historicidade de sua existência, além de absurdo,
demonstra ignorância completa sobre o personagem mais importante da história.
Do capítulo 32 ao
final do livro, temos uma larga seção sobre a história do livro chamado Bíblia,
queimado, proibido, contudo, foi preservado apesar de todas as dificuldades.
Temos a argumentação sobre os principais temas abordados por estudiosos
opositores, como o problema do sofrimento, o “genocídio” pregado na Bíblia, o
problema do mal, a guerra entre o bem e o mal, a existência de vida em outros
planetas, ou seja, muita coisa boa que já foi largamente discutida no decorrer
do tempo, mas que vale a pena ler o que Rodrigo Silva (2018) tem a nos dizer.
Não exporei de forma pormenorizada todos os capítulos finais porque exigiria
espaço maior que este, deixo a indicação da obra porque além de lançar luz em nossas
dúvidas, traz uma enxurrada de citações e autores que deveriam ser lidos não só
por cristãos, mas por todos que desejam sair do obscurantismo de opiniões rasas
sobre temas profundos.
A conclusão da obra
traz o desafio de nos posicionarmos em relação a crer ou não, se realmente
acreditarmos que Deus não existe, devemos enfrentar as implicações dessa
cosmovisão, como exemplo, termos que viver com a perspectiva materialista de
que somos mamíferos, prestes a não existência e que este mundo não possui significado.
No entanto, se observarmos as evidências, como a escala de Kardashev, devemos aceitar
que há verdades absolutas, que Deus extirpará todo mal e que não só há
significado na existência, bem como, seremos cobrados pelo que fizermos com
ela. Deste modo, a fé em Deus também é um chamado à responsabilidade com minhas
ações e com o mundo em que vivo.
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