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OS IRMÃOS KARAMÁZOV – UMA LEITURA MEDONHA

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Este é apenas um rascunho, não consegui resenhar. Há leituras tão complexas e que mexem tanto que é preciso vivenciá-las várias vezes, assim, decidi escrever apenas minhas impressões. Li os 2 volumes da obra pela Editora 34, tradução de Paulo Bezerra, 1.040 páginas que serão relidas sem dúvidas.

Como todo clássico, há leitores que amam e outros que odeiam, para mim, esta obra é grandiosa em todos os sentidos da palavra, na leitura dos volumes um misto de amor e ódio tomou conta de meus sentidos. O narrador fala demais, muito prolixo, são muitos detalhes, mas mesmo assim, senti que ele não poderia deixar de dizer o que diz e como diz.

A obra trata do assassinato de Fiódor Pávlovitch, fazendeiro, casado duas vezes, pai de 4 filhos, devasso, bêbado, um pai que filho nenhum teria orgulho em reconhecer.

Os filhos

A obra versa profundo sobre os limites da liberdade humana e o relativismo contemporâneo. De que modo a moral e ética podem se sobrepor às vontades humanas? Ao mal humano? Smierdiakóv (um dos filhos de Pávlovitch) é a encarnação do modelo relativista de vida, do mal, sem remorso, sem limites morais, educado como bastardo, humilhado em todos os sentidos, responde à realidade humana com a mesma frieza com que foi tratado a vida toda, como afirma Bezerra no posfácio (2008, p.vii), o nome designa a essência desse filho, ele é um servo fedorento na casa paterna que o rejeita.

Nos dois volumes, somos preparados para entendermos a hipocrisia do relativismo desmedido ao qual vivenciamos atualmente. Ivan é mais inteligente dos filhos, também o personagem mais filosófico, ele é que acredita na tese de que se não há eternidade, tudo é permitido, mas é ele também que fica chocado com as declarações de Smierdiakóv sobre o assassinato do pai: “tudo é permitido”, dizia, mas agora está aí todo assustado! - balbuciava Smierdakóv admirado”. (p.808). O irmão bastardo joga em rosto a “verdade de Ivan” dita tantas vezes e estimulada pelas palavras ásperas e os gestos violentos. Na ausência de eternidade, na ausência de Deus, não há crimes, não há punições, só regras morais e sociais não são suficientes, se elas são fruto da razão humana, do contrato social humano, quem poderá dizer se certa moral é melhor ou mais preferível que outra e em que condições? Será que o pai não merecia morrer?

Mítia é o homem comum, rejeitado tal qual os outros, ama e odeia com a mesma intensidade. O pai, Pávlovitch, compete com o filho pela mesma mulher, os dois brigam regularmente, e nessa família são comuns os socos entre eles. O rapaz ameaça o pai em quase todas as oportunidades. Mítia teme a Deus, ainda que não seja o mais religioso dos irmãos. Tudo que Dmitri (Mítia) deseja é amar Grúchenka sem as interferências do pai, mas para isso, precisa da herança deixada pela mãe e que Pávlovitch se nega a entregar. Assim como o pai, Mítia é exagerado, bebe muito, esbanja muito. Apesar de tudo, não, não é ele o assassino.

Aliócha (Alieksiêi) é o santo, sem nada de pejorativo na adjetivação, ele é manso, é humilde, é uma espécie de cristo da narrativa. Aliócha ama, respeita, compreende, acolhe, ama os humanos ao ponto de se sacrificar. É um santo no sentido bíblico porque está sujeito à queda, ao fracasso, no entanto, não perde a contemplação do sublime, do religioso, do entendimento da alma humana. Ele é o bom moço, “nunca guardava ressentimento” (p. 35), “depois de ter recebido uma ofensa respondia ao ofensor e iniciava ele mesmo uma conversa (...) crédula e serena como se nada tivesse acontecido” (p.35), para ele, “Deus e a imortalidade existem” (p.46).

Não falarei das personagens femininas, no livro, os homens brigam o tempo todo por elas, são apaixonados, elas são ricas, outras pobres, umas objeto de amor, outras objeto de prazer, mas nenhuma chamou atenção suficiente, então não falarei delas.

Um espaço na história

Perto do fim do primeiro volume, Ivan apresenta o que ele chama de poema com o nome “O grande inquisidor”, se já li coisa tão profunda em um texto literário, não tenho lembrança, tentarei resumir. O poema se passa no século XVI, na Espanha, Sevilha, período da santa inquisição. No poema, Jesus volta a terra em sua forma humana, todos o reconhecem, ele faz milagres, porém, do meio da multidão surge o inquisidor, o mesmo que sentencia os hereges à fogueira, ele manda prender Jesus na prisão, antiga sede do Santo Tribunal.

Depois, o inquisidor entra na prisão para ameaçar o personagem que ele entende ser Cristo, pois segundo ele, o salvador estaria ali para atrapalhar o andamento da religião católica romana. No texto, Ivan dá voz à crítica interna que ele possui com a relação a religião, bem como apregoa a crença de que o livre arbítrio, a liberdade, é um fardo, e para se livrar do peso, os homens criariam seus ídolos, renegariam a imagem do Cristo pela liberdade, e assim seria no futuro, logo não haveria crime, não haveria pecado (p.351), haveria a mais pura liberdade sem amarras religiosas ou sociais, os homens criariam seus próprios milagres (p.354). Apartados da religião, com seus ídolos, vivendo suas liberdades, a humanidade teria apenas intranquilidade, desordem e infelicidade (p.355).

Na fala do inquisidor, a religião, a igreja, veio para administrar a liberdade humana, lhes dar pão, tranquilidade (p.357). Nessa altura da leitura, lembrei que o comunismo/socialismo tem a mesma pretensão, em nome da “igualdade social” tomam a liberdade, ditam quem vive e quem morre pelo “bem social”, ditam a “verdade” e silenciam os contrários (p.358). Ivan contava a história do inquisidor para Aliocha, para o jovem religioso, o inquisidor do irmão é apenas um ateu humanista.

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Os personagens continuam suas vidas até que Fiódor Pávlovitch é assassinado, tudo leva a crer que Mítia teria matado o pai, ele tinha o motivo, tinha o álibi, não faltou nada, porém no desenrolar da história temos a confissão do crime por parte de outro filho. No mais, um dos irmãos fica louco e segue-se um longo julgamento até o fim da obra. O inocente é considerado culpado e vai para a prisão sem perdão. O fim deixa solto se o condenado foge ou não da prisão, na verdade, nem dei muita atenção para o fechamento, porque fiquei com a sensação de que nada foi resolvido, não houve absolvição, não houve esperança, não teve final feliz para ninguém.



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