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Diário de gravidez: osteogênese imperfeita.





 Primeiro trimestre


Como toda gravidez, o primeiro trimestre é cercado de ansiedade e muitas mudanças no corpo da futura mãe; comigo foi igual, senti os enjoos comuns, fiz os exames de rotina, mas na 13º semana, na primeira morfológica, vi que algo não estava tão bem, na ultra não consegui ver as perninhas do bebê, perguntei assustada à médica por que não víamos as perninhas, ela disse que a posição estava ruim, mas que o importante era ver a cabecinha, o tamanho, essas coisas; acabou o exame e saímos da sala; fiquei inquieta até chegar o momento da segunda morfológica. Fora esse episódio, tudo estava bem, a barriga crescendo e a alegria do primeiro filho enchia nossos corações.

Segundo trimestre



Chegou o dia da tão esperada morfológica para ver o sexo do bebê, e principalmente, visualizar as perninhas, a ansiedade chegaria ao fim. Fui ao médico com minha mãe, assim que o exame começou, perguntei pelas perninhas, o médico respondeu falando que era uma menina, mas eu quero saber das perninhas, respondi. O silêncio do médico me respondeu, ele mesmo confirmou ao me ajudar a descer da maca, nossa bebê tinha problemas. Desci  da maca em choque ao saber que meu bebê não tinha pernas e para completar não tinha braços, saímos da sala chorando e fui direto para o trabalho do meu esposo, precisava vê-lo. Choramos muito, ele veio para casa conosco e no caminho já conversávamos sobre as mudanças que deveríamos fazer na casa para receber uma criança cadeirante, não era o fim do mundo, amaríamos nossa bebê e lutaríamos pelo o que fosse necessário. Nesse mesmo dia, fomos encaminhados para realizar outra morfológica com um especialista de medicina fetal, no exame recebemos informações aterradoras, a médica nos disse que nossa bebê tinha má formação no coração, pulmões, pernas, braços, cabeça, tudo. Quando o exame acabou, ela propôs um aborto, aquele bebê não tinha expectativa de vida. 

Durante dias só choramos, não parecia verdade o que estava acontecendo; era uma mistura de devaneios, realidade, mudanças, pensamentos, sentimento de solidão. Servimos a Jesus Cristo e jamais tiraríamos uma vida, o coração batia dentro de mim; por que nossa filha não tinha o direito de tentar, de vir ao mundo? Por que só os chamados sadios, normais, tem direito a nascer? A vida não é perfeita e as pessoas não precisam ser perfeitas. 

Seis dias depois, conhecemos o médico que nos acompanharia até o fim da gravidez, Dr. Henry Wong, através dele soubemos o verdadeiro diagnóstico, não era uma displasia tanatofórica como a médica pensou, se tratava da Osteogênese Imperfeita, conhecida como ossos de vidro. Nossa filha tinha braço, perna, mas estavam quebrados, costelas também, era uma displasia letal, talvez não chegássemos ao fim da gravidez. Entregamos a Deus, no momento certo, ele saberia o que fazer. Não tínhamos como fazer nada, só orar e pedir pela vontade de Deus. Cada ultrassom era um misto de dor e esperança, compramos tudo, ganhamos tudo e todos oraram insistentemente e pacientemente. Foram longos cinco meses pesquisando sobre a doença, vendo como seriam os cuidados, caso sobrevivesse, vendo testemunhos, procuramos nos alegrar com nossa bebê. Ela estava viva dentro de mim e mexia como qualquer bebê, ouvíamos o coração e nos alegrávamos. Seguiríamos até onde fosse preciso. Faça a sua parte e não negue vida, não negue o direito à vida, entregue a Jesus e cada coisa, cada pessoa em seu devido tempo acontece.

Terceiro trimestre

Engordei cerca de 30 quilos na gravidez, nossa bebê era fofinha e esperta. Com 37 semanas minha pressão subiu e fui internada para fazer a cesárea com 38 semanas e 4 dias. Fizemos a última ultrassom e ouvimos que não deveríamos ter esperanças, entrei na sala de parto preparada para ver minha filha nascer e morrer, não foi fácil; passamos dias de muito sofrimento, a família ficou unida como nunca, todos fizeram o que poderia ser feito. Eu entrei na sala de operação e não pensei que ouviria um choro, pensei que seria apenas silêncio, mas ouvi o choro mais lindo do mundo. Mírian foi levada às pressas para a UTI, ficou alguns dias, depois foi para o médio risco, nasceu com todas as fraturas que o médico nos avisara e muitos olhavam para ela com pena porque sabiam que as chances eram poucas. Mírian não dava bola, por que nós daríamos? sofríamos? sim, mas isso não poderia ser empecilho para não apreciarmos o lindo presente que Deus nos deu, nossa filha.  

Um dia de cada vez

Conheci o amor quando conheci Mírian, aprendi a viver um dia de cada vez, a amá-la todos os dias como se fosse o último. Sempre fui uma pessoa ansiosa e controladora, mas ela me ensinou que cada dia tem uma porção de lágrimas para serem derramadas em agradecimento e em esperança e que não controlamos o mais importante, a vida. Aprendi a esperar na vontade de Deus. Fizemos tudo que estava ao nosso alcance, lutamos e brigamos, choramos e nos alegramos, conhecemos pessoas que ficariam para a vida toda e reaprendemos a viver com as pessoas que sempre estiveram conosco e não víamos por causa da pressa na vida cotidiana. Mírian viveu 48 dias, os mais doces e mais tristes dias de nossas vidas. Os mais doces porque conhecemos o amor e a delicadeza de um ser tão frágil e tão forte, e os mais tristes porque sentíamos que ela partiria a qualquer momento. Ela partiu. 

Creio que a veremos de novo e poderemos abraçá-la novamente; o que ela precisava fazer, ela cumpriu com muito amor, nos ensinou como a gente deve amar gente, que não importa a deficiência, todos somos deficientes, e que alguns parecem ser incuráveis, mas de coisas como o egoísmo, da falta de respeito e temor a Deus. Reunimos todas as pessoas que pudemos e fizemos um velório, um culto fúnebre e tudo o que ela tinha direito. Para muitos era só um bebê doente que morreu, para nós era um ser humano, digno, criado por Deus, amado, recebido por nós e em nada menor que qualquer outro membro da família. Seja inteiro com tudo e lembre-se: Amarás ao Senhor teu Deus acima de tudo e teu próximo como a ti mesmo. Sentimos muita saudade, choramos, porém sabemos que nos veremos de novo, Deus nos reservou a eternidade.



Comentários

  1. A Mirian foi uma guerreira, lutou até último momento mais um dia nós encontraremos ela lá na Glória ❤

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